terça-feira, 16 de setembro de 2008

ARTHUR PINHEIRO CHAVES


A IMPORTÂNCIA DA INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO


* Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará


Em janeiro de 2009 ocorrerá, em Belém, o V Fórum Mundial de Juízes, com apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Oitava Região (Amatra 8) e da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa). Um dos temas centrais do encontro é a Independência do Poder Judiciário.


A esse respeito Alexander Hamilton, um dos pais da Constituição Norte- Americana, defendeu no The Federalist, no 78, o papel do Judiciário na estrutura constitucional, enfatizando que "'não há liberdade se o Judiciário não estiver separado dos poderes Legislativo e Executivo. (...) A liberdade nada tem a temer de um Judiciário independente ".

O excerto transcrito denota a necessidade de reflexão acerca da garantia de manutenção de um Judiciário efetivamente independente, situação para cuja existência se requer que os juízes sejam protegidos contra a ameaça de retaliações por suas decisões e que sua esfera de autoridade esteja protegida contra qualquer sorte de influência externa descabida, seja aberta ou insidiosa.

Requer que os juízes tenham liberdade para decidir de acordo com o melhor de sua capacidade jurídica, aplicando a lei de forma justa e imparcial frente às partes em oposição. Requer, em suma, que os juízes possam decidir com independência, imparcialidade, integridade, propriedade, igualdade e competência.

Para tanto é necessária a adoção, entre outros aspectos, de mecanismos que assegurarem que os juízes exerçam seus poderes de forma imparcial e que se mantenham acima de interesses pessoais ou de influências externas, mesmo de outros poderes do Estado ou de outros órgãos do próprio Judiciário.

Mecanismos como o de vitaliciedade do cargo, a não ser em casos graves de conduta imprópria; de inamovibilidade; de garantia da irredutibilidade salarial, aí incluída, como um de seus aspectos, a preservação do valor de contraprestação remuneratória condigna com as responsabilidades do cargo, não representam privilégios, mas a exemplificação de instrumentos necessários à garantia de que os juízes não hesitarão em aplicar a lei de acordo com a sua consciência, servindo de elementos-chave para a imparcialidade de suas ações.

Vale ressaltar que a independência do Judiciário não é um fim em si mesmo, mas um meio para se atingir um fim. Ela é a essência do Estado de Direito, dando ao conjunto dos cidadãos a convicção de que as leis serão aplicadas com justiça e igualdade.

A independência do Judiciário permite que os juízes tomem decisões que, não obstante possam contrariar interesses particulares, sejam consentâneas com a preservação dos direitos e liberdades. Um Judiciário independente tem posição privilegiada para refletir sobre o impacto de suas decisões sobre os direitos e as liberdades, podendo garantir que esses valores não sejam subvertidos. A independência é, portanto, o manancial de coragem necessária para atender a essa indispensável função do Estado de Direito.

A percepção de Hamilton, de início mencionada, transcende, portanto, toda e qualquer diferença entre os sistemas jurídicos das nações. Cada país estampa seu selo característico ao sistema jurídico que adota, mas alguns princípios, em face de sua relevância, transcendem as diferenças nacionais, possuindo cunho universal. A importância de um Judiciário forte e independente é um desses princípios, considerada sua relevância para o funcionamento eficiente da democracia.

Só com independência é possível ao Poder Judiciário garantir ao povo a realidade de cumprimento zeloso do Estado de Direito. Mas, ao passo que é bastante fácil concordar que a independência do Judiciário é essencial para sustentar o Estado de Direito, desafiadora é a tarefa de pôr em prática e conservar esse preceito tantas vezes posto á prova, cabendo aos que crêem no valor da preservação dos postulados democráticos a sua ferrenha e irrestrita defesa.

sábado, 17 de maio de 2008

FLÁVIO DA SILVA ANDRADE*


COSIP - UM IMPOSTO TRAVESTIDO DE CONTRIBUIÇÃO
* Juiz Federal Substituto em Rondônia

A Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP), trazida pela EC nº 39/2002, que acrescentou o artigo 149-A à Constituição Federal, é um verdadeiro imposto disfarçado, travestido de contribuição. É imposto porque o fato gerador, essencial para a definição da natureza jurídica do tributo (art. 4º do CTN), é um serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insusceptível de ser referido a determinado contribuinte.

A COSIP é um tributo inconstitucional. O fato de o Poder Constituinte Derivado ter incluído tal exação no elástico rol dos tributos que atendem pelo apelido de “contribuição” não é bastante para se superar sua inconstitucionalidade, apontada e reconhecida ainda quando instituído sob a denominação de “taxa de iluminação pública” (TIP).

Mesmo que se tenha mudado o nome da exação, ela continua incompatível com o Texto Constitucional. A COSIP padece de inconstitucionalidade porque é cobrada de apenas uma parcela dos usuários de um serviço público genérico (ut universi), que beneficia a sociedade como um todo. Por isso, ofende o princípio da isonomia ou igualdade tributária (artigo 5º, II, CF/88), já que enseja a exigência do tributo de apenas uma parte dos beneficiários da iluminação pública.

Os doutrinadores pátrios e o Pretório Excelso sempre afirmaram que serviços gerais, dentre eles o de iluminação pública, por não serem referíveis a contribuintes determinados, devem, obrigatoriamente, ser custeados por meio das receitas gerais provenientes de impostos.

Cuidando do tema, MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO esclarecem que “qualquer tentativa de cobrar tributo específico para custeio de um serviço geral acarretará situações absurdas, verdadeiros atentados aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e ao princípio da isonomia (quando não ao mais elementar senso de justiça), uma vez que nunca será possível determinar se se estará cobrando de quem efetivamente (ou mesmo potencialmente) utiliza o serviço, muito menos se a cobrança guardará um mínimo de proporção com o grau de utilização do serviço pela pessoa eleita como contribuinte; ademais, é óbvio que uma enorme parcela dos usuários do serviço não sofrerão qualquer cobrança, pelo simples fato de que a lei instituidora, em seu critério obrigatoriamente arbitrário de escolha dos contribuintes, não os terá enquadrado como tal”. (in Direito Tributário na Constituição e no STF, Editora Impetus, Rio de Janeiro, 6ª ed., 2003, p. 59)

Por outro lado, assinale-se que, sendo a COSIP um verdadeiro imposto, sua inconstitucionalidade fica mais acentuada se se considerar que os Municípios não dispõem de competência residual em matéria tributária, outorgada exclusivamente à União, com as limitações do art. 154, I , da Constituição Federal.

Anote-se ainda, por relevante, que a instituição desse novo tributo afronta o princípio federativo da discriminação de rendas tributárias, na medida em que tenta garantir, a toda custa, mais recursos aos Municípios, contrariando a matriz constitucional das contribuições e distorcendo o Sistema Tributário Nacional.

Assim, ante as considerações supra, conclui-se que a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, criada pela Emenda Constitucional nº 39/02, não tem respaldo no modelo constitucional tributário do país, pelo que se espera que o STF venha a reconhecer sua inconstitucionalidade.

sábado, 10 de maio de 2008

AGAPITO MACHADO*


CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

Juiz Federal e Prof. Universitário em Fortaleza*

Trata-se de crime gravíssimo, de grande potencial ofensivo, e que por isso necessita de rigor na interpretação/aplicação da lei e da Constituição, sendo mesmo indispensável cooperação internacional, como atualmente prevista no art. 65 da nova lei antidroga nº 11.343/06.

O crime organizado, mais do que nunca, está invadindo o Brasil e aqui investindo no setor imobiliário e hoteleiro, notadamente no Nordeste (Natal e Fortaleza), realizando os delinquentes, destarte, a famosa lavagem dinheiro, conforme dados da Policia Federal e outros setores de inteligência,como menciona o jornalista Ricardo Galhardo, in “máfias investem no Brasil”, Jornal O GLOBO (RJ), de 13 de abril de 2008.

Para melhor compreensão do tema, é importante elencarmos os pontos positivos e negativos, quanto ao seu combate, pelo Estado brasileiro.

Como pontos positivos, podemos mencionar a legislação existente, bem como, projetos quanto à Segurança Pública que tramitam no Congresso Nacional.

1. Legislação em vigor:
a) Lei nº 8072/90(crimes hediondos);
b) Lei nº 9034/95 sobre crime organizado,recentemente alterada pela Lei nº10.217,de 11.04.01, e que já sofre críticas da doutrina, segundo a qual, a despeito de contemplar dois novos institutos, interceptação ambiental, infiltração policial, além da ação controlada (entrega vigiada e flagrante diferido), teria eliminado a eficácia de inúmeros dispositivos legais contidos na Lei nº9.034/95);
c) Lei nº 11.466/07 (proíbe uso de celular nos presídios e criminaliza a conduta de Diretor e funcionários que facilitem a sua entrada);
d) Lei nº 11.473/07, sobre a Segurança Pública, permitindo a cooperação federativa,e, portanto, realização de convênios com Estados e DF, etc;
e) Lei nº 9.296/96, sobre a escuta telefônica, prova essa que os Deputados e Senadores, sem maiores explicações à Sociedade, deixarem permanecer ilícita durante 8 (oito) anos,porque somente no ano de 1996 é que regulamentaram o inciso XII do art.5ºda CF/88;
f) Lei nº 11.343/06 (lei antidroga) que endureceu com os traficantes e melhorou a situação dos viciados. A pena passou para 5 a 15 anos; permitiu a destinação dos bens para serem logo usados pela policia; permite a venda rápida dos bens dos bandidos, em leilão, com o dinheiro indo para o FUNAD ;

2. Legislação que está por vir, relativa a PROJETOS (PACOTE) NO CONGRESSO NACIONAL QUANTO À SEGURANÇA PÚBLICA: Tramitam 40 projetos a saber:

a) a maioridade penal, em crimes graves, é reduzida para a partir de 16 anos, já aprovada na CCJ do Senado;
b) O Senado aprovou o controle/monitoramento eletrônico de presos (coleira ou tornozeleira eletrônica), a separação de presos perigosos e o afastamento sem remuneração de servidores sujeitos a processo criminal/administrativo);
c) acaba-se com a prescrição retroativa entre a data do fato e recebimento da denúncia (fase do Inquérito Policial),onde repousa a maior causa de impunidade;
d) Está previsto o interrogatório por vídeo conferência;
e) A CCJ da Câmara aprovou Emenda que obriga as escolas públicas a oferecerem ensino fundamental integral até 2023, para evitar menores na rua e contato com os traficantes e também define melhor o crime de seqüestro relâmpago, que hoje é considerado roubo;
f) A CCJ da Câmara aprovou também projeto que cria um critério de separação de presos condenados e provisórios e divide os presos de acordo com os crimes que praticaram e não como é hoje.

Como pontos negativos, podemos mencionar, entre outros, os seguintes:

a) ineficiência do Estado Brasileiro na fiscalização de armas e drogas, principalmente nas fronteiras. É indispensável maior eficácia e para isso precisaria pagar melhor o policial, em vida, e não só quando morrer, como é o caso da Lei 11.343/06 que indeniza a família do agente morto em serviço, com cem mil reais;
b) há um completo desencontro de informações entre os órgãos de inteligência (ABIN, Policia Federal e outros). Deveria existir um banco de dados nacional para a completa interação entre os diverso órgãos de inteligência;
c) Conforme críticas da Doutrina, falta a definição na Lei, do que seja organização criminosa, mormente após a Lei nº 10.217/01;.

Mas o maior problema mesmo no Brasil, vem sendo a interpretação que o STF vem dando ao princípio constitucional da presunção de inocência(culpabilidade), mesmo em crimes gravíssimos.

Mesmo após a condenação em primeiro grau ser confirmada em grau de recurso pelos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais,ou seja, na fase dos recursos Especial e Extraordinário que, por força da Lei nº8.038/90,não têm efeito suspensivo, a prisão processual dificilmente é decretada conforme entendimento do STF.

O STF, portanto, só admite a prisão processual/cautelar em casos que, na prática, o grande deliquente não é ingênuo de fazer, ou seja, quando há provas inequívocas de que o réu irá fugir ou se encontrar ameaçando testemunhas. O STF desconsidera por completo a gravidade do crime e nem dá bolas para o clamor da sociedade.

Destarte, é mais fácil se eliminar o mosquito da dengue no Brasil, do que se manter preso cautelarmente um bandido que comete um crime gravíssimo, na visão do atual STF.

Na verdade, a CF/88 faz enorme distinção entre crime de mínima e média potencialidade ofensiva para os de máxima potencialidade ofensiva, não lhes permitindo v.g, fiança, liberdade provisória, graça, e anistia, como a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,o terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art.5º, XLIII), havendo até mesmo crimes considerados imprescritíveis, como o racismo (art. 5º,XLII), a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5ºXLIV).

Não é razoável/proporcional que a presunção de inocência/culpabilidade nos crimes gravíssimos tenha a mesma mensuração de benevolência dos sem gravidade (mínima e média potencialidade ofensiva).

A Constituição de 1988, a bem da verdade, não ensejou a interpretação que o STF deu ao tema, embora saibamos que a Constituição é aquilo que o STF diz ser, e que o resto é conversa para boi dormir.

A final, foi o STF, inclusive o da era Lula, quem sempre afirmou não existirem direitos absolutos, mas é ele, atualmente, que está elevando à categoria de quase absolutos, os direitos e garantias individuais.

A grande verdade é que o atual STF NÃO PONDERANDO O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, FRAGILIZOU A SOCIEDADE, DANDO INTERPRETAÇÃO FAVORAVEL À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, MESMO EM CRIMES GRAVÍSSIMOS. E O MAIS GRAVE: como regra quase que absoluta, NÃO ADMITE A PRISÃO PROCESSUAL NEM MESMO NA FASE DOS RECURSO ESPECIAL(STJ) e RECURSO EXTRAORDINÁRIO (STF), recursos esses que não têm efeito suspensivo, como consta da Lei nº8.038/90.

Vejamos a falta de ponderação do STF no trato dessa matéria.

O STF de 8 anos atrás, disse que era constitucional e Lei nº8.072/90 (crimes hediondos) quando proibia a mudança de regime prisional. E o atual STF, SEM QUALQUER ALTERAÇÃO LEGISLATIVA (mutação constitucional), em novo julgamento, afirmou que a referida Lei é inconstitucional, forçando o Congresso Nacional a editar nova Lei, que passou a permitir a mudança de regime, se cumpridos 2/5 da pena ou 3/5, se reincidente. Nos demais casos, basta cumprir 1/6 da pena (Lei nº 7.210/84).

E não ficou só aí.

O STF entendeu ser também ilegal o interrogatório mediante vídeo conferência (on line ou virtual).

Ora, onde existir violação da ampla defesa, se os advogados podem estar presentes no presídio, onde está o preso, e ao mesmo tempo, no Fórum, onde o juiz está realizando o seu interrogatório eletronicamente?. E o perigo que a Sociedade corre com o transporte de presos perigosos para atos simples como o interrogatório?

E o mais inusitado: alguns Ministros advertiram, nesse mesmo julgamento, que nem mesmo uma futura lei poderá autorizar tal ato, pois CPP dispõe literalmente que o interrogatório tem de ser na “presença” do Juiz.

QUAIS ENTÃO AS SOLUÇÕES PARA SE DAR VERDADEIRA EFICÁCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NESSES CASOS E ASSIM PROTEGER A SOCIEDADE DOS BANDIDOS PERIGOSOS, mantendo-os presos antes, durante e depois do processo?

Como conseguir uma nova interpretação da chamada presunção de inocência ou de culpabilidade, para os crimes gravíssimos, vista sob a ótica do princípio da proporcionalidade? O que fazer?

a) Tentar com o STF para que mude de opinião? Impossível com a atual composição;
b) Referendo, Plebiscito? Não seria o caso;
c) EMENDA INTERPRETATIVA do inciso LVII, do art.5ºda CF/88, para deixar claro que, nos crimes gravíssimos em que ela mesma já proíbe a fiança, a anistia e a graça, além dos crimes imprescritíveis, a presunção de inocência não deve ser ponderada na mesma proporção como ocorre nos crimes de menor gravidade e deixando que o STF a aprecie caso se argua a sua inconstitucionalidade. Isso é a eterna luta pelo direito, como nos ensinou Rudolfo von Ihering.
Embora não tendo pretensão de ser um constitucionalista, penso que a hipótese de Emenda Interpretativa poderia ser o caminho, tendo em vista que o texto magno ao prescrever que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não está afirmando,categórica e absolutamente, que ninguém será preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, notadamente em crimes gravíssimos.

Do contrário, o STF de ontem ou mesmo o de hoje, já teria decretado a inconstitucionalidade da Lei nº 8.038/90, que afirma que o RESP e o RE não têm efeito suspensivo; também teria alterado o seu Regimento Interno e também afastado a incidência da Súmula 09 STJ (“a exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência).

NÃO É POSSÍVEL QUE A CLÁUSULA PÉTREA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, NÃO POSSA SER MELHOR PONDERADA (PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE), EM PROL DA SOCIEDADE, QUE ESTÁ E NÃO PODE CONTINUAR REFÉM DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA. O DIREITO INDIVIDUAL NÃO DEVE SE SOBREPOR À TUTELA COLETIVA.

NÃO É POSSIVEL QUE A SOCIEDADE COMPOSTA POR HOMENS DE BEM, PERMANEÇA REFÉM DA GRANDE CRIMINALIDADE, SILENCIANDO A TUDO ISSO SEM NADA FAZER.

Façamos alguma coisa, enquanto é tempo.

Termino esse pequeno trabalho com a seguinte frase de Martin Luther 'King: “ o que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos,dos sem caráter, dos sem ética.O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

ARTHUR PINHEIRO CHAVES*


A CONSTITUCIONALIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

* Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará

O Supremo Tribunal Federal iniciou, no dia 05 de março passado, julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, estabelecendo condições para essa utilização, estando a ação pendente de julgamento pelo Plenário da Corte, face ao pedido de vista do Min. Menezes Direito.

O tema merece reflexão, vez que tem suscitado grande polêmica entre diversos setores do corpo social, pelas implicações éticas, filosóficas e religiosas que traz.

Do ponto de vista jurídico, a discussão gira em torno dos fundamentos da ação direta de inconstitucionalidade proposta, consistentes, basicamente, no pressuposto de que a vida tem início com a fecundação, fazendo-se equiparação entre embrião e pessoa humana. Como conseqüência, sua destruição para a realização de pesquisas para tratamento de outras pessoas representaria uma violação da vida, cuja proteção é prevista no art. 5º, caput da Constituição Federal, e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

Os argumentos em sentido contrário, contudo, são de relevo.

De início, não se vislumbra ofensa à inviolabilidade do direito à vida. A vida humana se extingue quando o sistema nervoso pára de funcionar. É o que se extrai da Lei de Transplante de Órgãos (Lei nº 9.434/1997), que somente autoriza o procedimento de retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, após o diagnóstico de morte encefálica, momento a partir do qual cessa a atividade nervosa.
Por paridade, o início da vida tem lugar apenas quando o sistema nervoso se forma ou inicia a se formar, situação que se dá, de acordo com pesquisas biológico-fisiológicas, com a formação da chamada “placa neural”, somente no décimo quarto dia depois da concepção, implantação e individualização, quando o embrião tem um ambiente favorável para se desenvolver e virar um bebê, tese exposta pela geneticista Mayana Zatz, pesquisadora-chefe do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP).

Antes disso, portanto, não representa o embrião conservado in vitro, em laboratório, existência em desenvolvimento de um indivíduo humano, não havendo, desta maneira, a propalada ofensa a indisponibilidade do direito à vida. Esse foi o entendimento esposado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, julgando questão semelhante naquele país (BverGE 39:I, 1995).

Em relação à ofensa à dignidade da pessoa humana, o Código Civil estatui que a personalidade civil começa no nascimento com vida, resguardando, ademais, desde a concepção, os direitos do nascituro. O embrião decorrente de fertilização in vitro, conservado em laboratório, não é pessoa, haja vista não ter nascido, nem tampouco nascituro, em razão de não ter sido transferido para o útero materno, não havendo, por conseqüência lógica, que se falar em ofensa a dignidade de pessoa humana, em relação a organismo que, nos termos legais, não reveste a condição de pessoa.

A legislação brasileira, ademais, se harmoniza com a tendência legislativa vigente no direito internacional. No direito comparado, as pesquisas com células-tronco são admitidas em diversos países, podendo-se mencionar os Estados Unidos, Reino Unido, Suécia, China, Israel, Cingapura, Austrália e Espanha, exibindo a legislação nacional, inclusive, um viés mais moderado e prudente, face aos requisitos estabelecidos para a realização das pesquisas.

Exemplo do viés de moderação está no fato de que Lei de Biossegurança ( Lei nº 11.105/2005) somente permite a utilização de embriões fecundados in vitro para fins reprodutivos que não tenham a possibilidade de vir a se tornarem seres humanos, porque inviáveis ou não utilizados no processo de fertilização.

Vale observar, ademais, que de acordo com a lei, as células-tronco deverão ser extraídas de embriões oriundos de tratamento reprodutivo, não se permitindo, portanto, que sejam utilizadas células-tronco extraídas de embriões produzidos exclusivamente para pesquisas.

Tal aspecto tem relevante repercussão ético-jurídica, na medida em que, não obstante originariamente os embriões tenham sido produzidos para fins de reprodução, a implantação não ocorreu e os embriões não virão mais ser utilizado para o mencionado fim, não havendo, portanto, razões para que suas células não sejam utilizadas para promover a vida e a saúde das pessoas que sofram de grave patologia, atribuindo-se à sua curta existência um sentido nobre atribuindo-se es humanos gravaonsequente requisitos legais acima enumerados, a aprovaçda, resguardando, ademais, desde a conc.

Além disso, ainda que tenham sido cumpridos os requisitos legais enumerados, a aprovação do comitê de ética da respectiva instituição de pesquisa com células-tronco embrionárias humanas será exigida, garantindo-se que as células não sejam utilizadas de forma inconseqüente.

A Lei nº 11.105/2005, ademais, veda expressamente a clonagem humana, a engenharia genética e a comercialização de embriões, exigindo, ainda, o prévio consentimento dos genitores para a realização de pesquisas com células-tronco, assegurando, portanto, o direito de cada um agir em consonância com sua ética pessoal.

Em conclusão, a pesquisa com células-tronco embrionárias representa uma perspectiva de tratamento eficaz para inúmeras doenças que causam sofrimento e morte a milhões de pessoas. O argumento contrário à utilização de células-tronco em pesquisas e tratamentos médicos é alimentado, no mais das vezes, por um sentimento religioso. Não se deve, em nenhuma hipótese, desmerecer a crença sincera de qualquer pessoa ou doutrina. Mas no espaço público de um Estado laico, contudo, hão de prevalecer as razões do Direito e da Ciência, que caminham no sentido da constitucionalidade da Lei de Biossegurança.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

FLÁVIO DA SILVA ANDRADE*

A CONFISSÃO E O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE NO PROCESSO PENAL

* Juiz Federal Substituto na Seção Judiciária de Rondônia

O instituto jurídico do julgamento antecipado da lide encontra esteio, como se sabe, no artigo 330 do Código de Processo Civil Brasileiro. É aplicável nas hipóteses de revelia e naquelas em que a questão de mérito é unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não haja necessidade de se produzir prova em audiência.

O julgamento antecipado homenageia o princípio da economia processual, permitindo uma rápida prestação da tutela jurisdicional às partes e à comunidade, evitando-se longas e desnecessárias instruções, reduzindo-se ainda os custos do processo.

Interessante se perquirir, portanto, sobre a possibilidade de se estender ao âmbito do Direito Processual Penal a aplicação de tão importante instituto, especialmente nos casos em que, de início, resta clara a inocência do acusado e também naquelas lides penais em que o réu, desde logo, confessa cabalmente a prática do crime a si imputado.

A primeira hipótese acima citada já vem sendo bastante defendida na doutrina, tendo o eminente advogado CECÍLIO DA FONSECA VIEIRA RAMALHO TERCEIRO asseverado que[1] “permitir que um inocente se mantenha sob a injusta sombra da espada da justiça, por vezes, é uma agressão maior que o suposto delito imputado ao mesmo. Como sabemos, o nosso processo penal é um árduo caminho de colheita de elementos, tudo voltado a um único fim, a verdade. Se esta verdade, ou sua semelhança, já se encontra ab initio, por que esperar todo o desenrolar da instrução para deferir a tutela estatal eximidora da responsabilidade do acusado, isentando-o do constrangimento de responder por algo que não deve”.

Seguindo essa linha de pensamento, a jurisprudência pátria passou a admitir o julgamento antecipado da lide em alguns casos, ou seja, quando há claro convencimento da inocência do acusado, impedindo-se uma longa e constrangedora instrução criminal. A propósito, veja-se: “Penal e Processual Penal. Estelionato. Julgamento antecipado da lide. Possibilidade, quando se tratar de hipótese de absolvição do réu. Reconhecida pela própria Justiça do Trabalho a inexistência de relação empregatícia do réu, na atividade de pedreiro, caracterizada restou a inexistência do delito do art. 171, do CP. Absolvição” (Processo n.º 2001.85.00.3835-8 – SPCr. - Classe 07000 – 1.ª Vara Federal - Juiz Ricardo César Mandarino Barretto).

Mais inovador e ousado, entretanto, é o estudo da segunda hipótese antes mencionada, qual seja, a de se aplicar o julgamento antecipado com desfecho condenatório, por força de confissão incontestável feita pelo acusado às autoridades policial e judicial.

A confissão, no campo do direito processual penal, é o reconhecimento, pelo acusado, de que praticou a infração penal a si imputada.

Também chamada de rainha das provas, a confissão, segundo ensina o eminente JULIO FABBRINI MIRABETE[2], é elemento valioso na formação do convencimento do julgador, sendo que ganha um valor quase absoluto quando livre, espontânea e não posta em dúvida por qualquer elemento dos autos, mostrando-se suficiente para embasar uma condenação.

Apesar disso, argumenta-se que os obstáculos ou entraves para o julgamento antecipado da lide processual penal seriam a falta de previsão legal e a ofensa fatal aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Todavia, de uma análise detida do tema, pode-se concluir por uma pertinente e profícua aplicação analógica, na esfera penal, do instituto processual civil do julgamento antecipado da lide.

O obstáculo legislativo, como já sinalizado pela doutrina, pode ser vencido por intermédio do artigo 3º do Código de Processo Penal Brasileiro, quando afirma que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

No tocante à violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, vê-se que o julgamento antecipado da lide no processo penal pode ser adequado de forma a que seja compatibilizado com aqueles relevantes postulados.

Ora, se o réu confessar integralmente a prática delitiva a si imputada, estando suas declarações devidamente corroboradas pelas peças inquisitivas que instruem o feito, tem-se que a realização do julgamento antecipado, com a dispensa da colheita da prova oral, não ensejará nenhum arranhão ao princípio do contraditório. O que contrariar, se já houve a confissão cabal? Que verdade real buscar, se já foi ela alcançada por meio de irrefutável confissão?

Do mesmo modo, não se pode dizer que haverá afronta ao direito à ampla defesa, eis que assegurada, além da defesa pessoal pelo interrogatório, a defesa técnica por intermédio de advogado. O fato de se afastar, em tais casos, a instrução criminal não significa tolher o direito à manifestação do causídico, que poderá invocar, já na defesa prévia, benefícios legais em favor do réu, como a atenuante da confissão, a fixação da pena no mínimo legal, o direito de apelar em liberdade, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a fixação de um menos rigoroso regime de cumprimento de pena. Desta maneira, como já chegou a sugerir, em proposta legislativa, o ilustre Promotor de Justiça Goiano ISSAC BENCHIMOL FERREIRA[3], poderá se dar à defesa prévia um significativo valor jurídico-processual, deixando de ser uma peça processual meramente formal.

Como se sabe, não são raros os casos simples como, por exemplo, de crimes de furto, roubo, receptação e estelionato, em que os acusados, especialmente quando presos em flagrante, confessam, na delegacia e em juízo, os fatos delitivos que praticaram, afastando qualquer controvérsia fática e deixando claro suas culpas. Como tais confissões, em regra, estão em plena concordância com os demais elementos inquisitivos constantes dos autos, torna-se absolutamente possível o julgamento antecipado da lide, dispensando-se a realização da instrução probatória pelo juízo criminal. Não fosse assim, os tribunais não admitiriam condenações tomando por base apenas a confissão judicial plena e inconteste (RT 744/573).

Também não se pode perder de vista que somente há lide penal quando existe conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu, resultante da prática de um ato delituoso.

Não havendo qualquer divergência em razão da confissão cabal feita pelo réu, tem-se que inexiste lide no feito, já estado satisfatoriamente alcançada a verdade, ou seja, o fim do processo penal acusatório.

Por que, então, prosseguir num processo judicial, se o magistrado já detém, naquele momento, um convencimento formado? Por que ouvir vítimas, testemunhas de acusação e de defesa, se já houve admissão integral do réu, confirmando a veracidade dos fatos narrados na denúncia ministerial, estando a confissão em pleno acordo com os demais elementos probatórios coligidos aos autos do inquérito policial? Em última análise, por que prosseguir com o processo criminal, se não há mais controvérsia fática?


Não há dúvidas de que, em casos deste jaez, a idéia de se ter de esgotar a tramitação do feito criminal, além de formalista, contraria o princípio da economia processual, pois gera instruções desnecessárias e perda de tempo, impedindo a pronta e eficaz entrega da prestação jurisdicional penal. Ademais, nesses casos, o prosseguimento da ação penal implica maiores e desnecessárias despesas ao erário, conduzindo ainda a uma constrangedora exposição do réu, que vê repisado o fato criminoso que já admitiu ter praticado.

É evidente, por outro lado, que o julgamento antecipado na forma ora proposta só deverá ocorrer naqueles casos em que a confissão do réu for cabal, espontânea, ficando afastada a mais remota hipótese de auto-imputação falsa ou de insinceridade.

Os que resistem à idéia aqui defendida argumentam que seria mutilada a possibilidade de ampla cognição da matéria delitiva, atropelando-se o rito previsto no Código de Processo Penal. Entretanto, como visto, mediante uma hermenêutica prudente e cautelosa, mostra-se perfeitamente possível e viável a aplicação do julgamento antecipado da lide no âmbito do processo penal quando inexistem divergências fáticas em razão de confissão cabal feita pelo réu.

Nos tempos atuais, em que a criminalidade cresce alarmantemente, gerando sensação de impunidade, há de se tentar tornar o processo criminal mais célere, o que é possível alcançar mediante a superação do legalismo estrito e imobilista, que não atende aos fins da justiça.
[1] in artigo intitulado “A possibilidade do julgamento antecipado da lide penal”. Disponível em www.jus.com.br
[2] in Código de Processo Penal Interpretado. 9ª edição. Editora Atlas. Página 540.
[3] in artigo intitulado “Julgamento Antecipado no Processo Penal – Proposta Legislativa”.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

GEORGE MARMELSTEIN*


POLÍTICOS CORRUPTOS, POLÍTICOS BANDIDOS E POLÍTICOS PERSEGUIDOS: A PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE E A MORALIDADE ELEITORAL


*Juiz Federal no Ceará e Professor de Direito Constitucional
Site pessoal: georgemlima.blogspot.com

Políticos Corruptos, Políticos Bandidos e Políticos Perseguidos: a presunção de não-culpabilidade e a moralidade eleitoral

Por George Marmelstein,
Juiz Federal no Ceará e Professor de Direito Constitucional
Site pessoal: georgemlima.blogspot.com

Existe uma intensa polêmica, ainda em aberto na jurisprudência, sobre a possibilidade de a Justiça Eleitoral indeferir o registro da candidatura de um político com base na existência de indícios da prática de crimes pelo pré-candidato, ainda que não haja qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado.

No julgamento do chamado Caso Eurico Miranda, o Tribunal Superior Eleitoral, por 4 a 3, entendeu que a Justiça Eleitoral não poderia indeferir o registro da candidatura do conhecido cartola do Vasco da Gama, já que os diversos processos criminais instaurados contra ele ainda não teriam transitado em julgado (TSE, RO 1.069/RJ, rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 20/9/2006).

O julgamento em favor de Eurico Miranda não significa dizer que a questão está pacificada. Pelo contrário. Basta que um único ministro do Tribunal Superior Eleitoral mude de posicionamento para que o quadro se inverta. E como a jurisprudência eleitoral é bastante dinâmica, a discussão torna-se mais atual do que nunca, sobretudo diante das conseqüências desastrosas que esse entendimento resultou nas eleições de 2006 quando pessoas sem o mínimo de idoneidade ética obtiveram uma cadeira no parlamento.

Diante disso, analisarei a questão, apresentando novos argumentos capazes de justificar uma mudança de posicionamento no entendimento firmado no “Caso Eurico Miranda”.

Parto do princípio de que nenhum cidadão minimamente consciente do significado de democracia e de república se conforma com o fato de haver no parlamento políticos totalmente inescrupulosos defendendo interesses ocultos "em nome do povo".

Não é razoável que uma pessoa sobre a qual pairam sérias dúvidas quanto à sua honestidade possa se candidatar a um cargo político. Esse sentimento de indignação se intensifica ainda mais quando a "suspeita" é de desvio de verbas públicas que, no final das contas, irá servir justamente para financiar a campanha eleitoral desse político! E para reforçar a revolta popular, esses mesmos políticos ainda têm a cara de pau de confessarem que receberam verbas ilícitas sob a esfarrapada desculpa de quitarem suas "dívidas de campanha". Ou seja: é um atestado indiscutível de que a sua vitória eleitoral foi uma fraude e que democracia representativa, pelo menos nessa ótica, é uma farsa e que se continuar assim a tendência é piorar...

Situação igualmente indignante é a dos políticos que são bandidos da pior espécie, ainda que não existam condenações transitadas em julgado. Quando um sujeito como um "Hildebrando Pascoal", que esquartejava suas vítimas, consegue uma cadeira no parlamento federal, isso significa que alguma coisa não está cheirando bem nesse processo eleitoral tupiniquim.

A idéia de que o político não apenas deve ser honesto, mas, sobretudo, deve parecer honesto, reflete bem essa intuição de que a existência de inquéritos e processos criminais pesa sim contra a candidatura.

Pois bem. Mas por enquanto ainda estou numa fase de mera "especulação intuitiva". É algo ainda muito sensitivo, dentro do "imaginário popular", inconsciente, meio irracional mesmo... É o que se pode chamar de “feeling”.

Esse “feeling” não tem qualquer importância para o direito se não encontrar um respaldo no ordenamento jurídico. A finalidade do direito não é apenas satisfazer os anseios de justiça do povo, custe o que custar. A finalidade do direito é fazer justiça com legitimidade. E a legitimidade deve ter como base principal o ordenamento jurídico constitucional.

Por isso, é preciso submeter esse “feeling” a um pesado teste de consistência, procurando encontrar, no sistema normativo, qualquer fundamento que possa derrubá-lo. Se não houver compatibilidade entre esse sentimento de justiça e a Constituição, então ele não merece prevalecer.

Basicamente, existem quatro argumentos principais utilizados para defender que a mera existência de processos criminais ainda não concluídos não podem servir como base para o indeferimento de registro de candidatos a cargos políticos: (a) o princípio da presunção de não-culpabilidade; (b) a ausência de previsão legal ou constitucional contemplando essa hipótese de inelegibilidade; (c) a possibilidade de uso político da Justiça Criminal; (d) a capacidade do povo de censurar “nas urnas” os políticos desonestos.

Por isso, vou dividir a análise em quatro partes, começando com o princípio da presunção de não-culpabilidade.

Princípio da Presunção de Não-Culpabilidade

Um dos pilares do Estado Democrático do Direito é o princípio segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, inc. LVII, da CF/88). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, também contemplou esse valor como uma idéia universal ao dizer no artigo 11 que “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Por sua vez, o Pacto Internacional de San Jose da Costa Rica, de 1966, estabelece que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

O princípio da presunção de não-culpabilidade é, sem dúvida, um argumento forte contra o indeferimento da candidatura de políticos suspeitos, mas que, a meu ver, pode ser facilmente vencido.

Esse princípio, por mais importante que seja (e é mesmo!), não tem essa força de “fingir que nada está acontecendo” durante o período em que uma pessoa está sendo investigada ou processada criminalmente. A existência de razoável suspeita da prática de crime pode ser sim invocada para limitar determinados direitos fundamentais, embora sempre excepcionalmente.

Imagine, por exemplo, a seguinte situação hipotética: um respeitável senhor de 40 anos de idade, bem conceituado perante a comunidade, é preso em flagrante pela prática de pedofilia. Em seu computador pessoal, a polícia encontrou inúmeras fotos em que esse senhor participava de orgias sexuais envolvendo crianças e adolescentes. Por ironias do processo penal, foi reconhecido o seu direito de responder ao processo criminal em liberdade.

Digamos que, nesse ínterim, ainda sem qualquer denúncia recebida, esse senhor resolve participar de um concurso público para o cargo de professor de uma escola infantil e consegue ser aprovado em primeiro lugar. Você, sendo o diretor da escola, daria posse a esse sujeito?

Creio que, por mais que se esteja cometendo uma injustiça com esse senhor, já que, no final, ele pode ser considerado inocente, há uma forte razão para impedi-lo de exercer aquela profissão, pelo menos enquanto não for esclarecida a questão. E esse esclarecimento não precisa aguardar o trânsito em julgado do processo penal. Pode ocorrer até mesmo em um processo administrativo, em que o suposto pedófilo irá apresentar sua defesa, contando sua versão para os fatos, dentro do devido processo. Se a autoridade administrativa se convencer dos seus argumentos, pode contratá-lo mesmo sem uma resposta da Justiça Penal. Nesse caso, diante da ausência de condenação ou de absolvição, a responsabilidade criminal não interfere na responsabilidade administrativa.

E para não parecer que o exemplo é meramente retórico, por envolver um crime que abomina a sociedade, pode-se dizer que o mesmo raciocínio se aplica a um caso, por exemplo, de um candidato a um cargo público de motorista que esteja respondendo a vários processos criminais por crimes de trânsito ainda que nenhum deles tenha transitado em julgado. A Administração Pública, certamente, poderá verificar as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, as alegações de defesa sustentadas pelo candidato e, num juízo prévio, verificar se há plausibilidade dos argumentos apresentados. Diante disso, pode formular seu próprio juízo - logicamente não vinculante para a instância criminal - e concluir se o candidato preenche os requisitos para o cargo.

Diante disso, não se pode concordar totalmente com a tese de que nenhuma restrição a direito pode ocorrer enquanto o processo penal não chegar ao fim com uma sentença judicial condenatória definitiva.

Um servidor público pode sofrer sanções administrativas e até mesmo perder o cargo, antes de qualquer condenação criminal, bastando que a Administração obedeça ao devido processo administrativo disciplinar. Um estrangeiro pode ser expulso ou deportado do país, independentemente da apuração da conduta na esfera criminal, caso pratique um ato que autorize essas medidas. Uma empresa acusada de praticar crimes ambientais poderá ter a suas atividades embargadas, na via administrativa, embora não exista qualquer processo criminal concluído e os exemplos se seguem...

Essas situações ocorrem com extrema freqüência e não representam qualquer violação ao princípio da presunção de inocência. Há uma razão bastante simples para isso: há duas instâncias diferentes que, em regra, não se comunicam. Ou seja, a instância administrativa e a instância penal correm “em paralelo”, podendo até mesmo gerar resultados diferentes, já que a configuração da responsabilidade penal exige uma comprovação mais intensa da autoria e da materialidade do delito.

Se ninguém pudesse sofrer qualquer sanção administrativa disciplinar enquanto o processo criminal não fosse concluído para apurar os mesmo fatos, então responder a um processo penal seria algo vantajoso, já que imunizaria a pessoa contra qualquer interferência administrativa até o demorado trânsito em julgado.

No fundo, o princípio da presunção da inocência não tem muito a ver com a questão ora debatida. Ninguém está dizendo que um determinado candidato é culpado por responder a inquéritos policiais ou a processos penais. Trata-se tão somente de se exigir um requisito mínimo de idoneidade moral “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato”, conforme prevê a própria Constituição (art. 14, §9º da CF/88).

Vários cargos públicos exigem requisitos semelhantes para investidura, como a própria magistratura. Pode ter certeza de que um advogado que tenha sido expulso da OAB pela prática de inúmeras infrações éticas dificilmente será aceito em um concurso para a magistratura, mesmo que não existam processos criminais contra ele. Vida pregressa não se confunde com condenação criminal. Aliás, o Ministro Marco Aurélio, que é um dos mais ardorosos defensores da tese de que qualquer pessoa pode se candidatar a cargos políticos enquanto não houver trânsito em julgado da sentença penal condenatória, já aceitou que o levantamento da vida pregressa de candidato para o cargo de investigador de polícia levasse em conta fatores meramente indiciários, como o testemunho de dois outros policiais e um inquérito por posse de droga arquivado por falta de provas (STF, RE 15640/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 5/9/1995).

A Justiça Eleitoral, quando aprecia pedidos de registro de candidaturas, está exercendo uma atividade semelhante à de uma comissão de concurso ao analisar a vida pregressa dos candidatos a cargos públicos, com a diferença que os atos são praticados por membros do Judiciário, com muito mais garantias, mais transparência, mais debates, mais aprofundamento quanto à verdade dos fatos, já que a profissão do juiz o habilita a se aproximar da verdade real com muito mais técnica.

Portanto, há duas instâncias completamente diferentes: a instância criminal e a instância eleitoral. No caso, enquanto não houver qualquer condenação ou absolvição na esfera penal, não há comunicação de instância, ou seja, a responsabilidade penal não interfere na responsabilidade eleitoral.

Por isso, o que está havendo nessa discussão é um "jogo de palavras", onde o princípio da presunção de inocência está sendo manipulado para “blindar” os candidatos a cargos políticos.

Se for perguntado “é justo que uma pessoa sobre a qual pairam meras suspeitas de que praticou ilícitos seja impedida de se candidatar a um cargo político, sabendo que um dos pilares do Estado de Direito é o princípio da presunção de inocência?”, certamente a resposta será negativa.

Por outro lado, se for perguntado “é justo que uma pessoa nitidamente criminosa/corrupta/bandida/desonesta, com fortes indícios de que cometeu crimes graves, possa se candidatar a um cargo político, usando inclusive as verbas obtidas ilicitamente para financiar a sua campanha?”, certamente também a resposta será negativa!

Por isso, a pergunta correta, para que não haja um direcionamento na resposta, é a seguinte: a Justiça Eleitoral pode julgar se um pré-candidato tem as qualificações éticas mínimas necessárias para ocupar um cargo político?

E com isso, a questão da presunção de inocência deixa de ser o foco principal da controvérsia, pois ninguém discute que é um absurdo que uma pessoa seja considerada culpada sem uma condenação definitiva. Mais uma vez, deve ser enfatizado: o requisito de “idoneidade moral” não significa uma “ficha criminal limpa” e sim a ausência de indícios objetivos capazes de justificar o indeferimento da candidatura. São instâncias independentes. Logo, nada impede que, respeitado o devido processo, a Justiça Eleitoral verifique se há base fática suficiente para indeferir o pedido da candidatura, ainda que não exista qualquer sentença condenatória definitiva.

Essa independência de instâncias – criminal e eleitoral – pode ser ilustrada citando o caso do ex-Presidente da República Fernando Collor.

Collor, pelos mesmos fatos, respondeu a um processo político-criminal perante o Congresso Nacional e um processo exclusivamente criminal perante o Supremo Tribunal Federal. Collor foi punido pelo Senado Federal e perdeu seus direitos políticos antes de o processo criminal ter sido concluído. E o mais interessante, é que, no STF, o ex-Presidente foi absolvido por falta de provas, demonstrando, inclusive, que os critérios de formação da convicção para o julgamento são diferentes, exigindo-se um grau de certeza bem mais elevado para justificar uma condenação criminal.

Se o princípio da presunção de inocência fosse interpretado de modo a impedir qualquer restrição de direitos antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o Senado Federal teria que aguardar o julgamento criminal para poder punir o ex-Presidente, o que seria um flagrante absurdo, ante a independência entre as instâncias em questão.

Uma conclusão diferente transformaria o princípio da presunção de não-culpabilidade em um escudo ou uma blindagem instransponível para a imunidade na esfera não-criminal, já que, geralmente, o processo penal é mais demorado, até para que se atinja um grau maior de certeza da culpa. Certamente, não foi intenção do constituinte, ao positivar o princípio da presunção de inocência, permitir que pessoais sem escrúpulos se candidatem a cargos políticos visando precisamente se beneficiar das "imunidades" e do "poder de influência" que o cargo proporciona para satisfazer a interesses pessoais.

Outro ponto importante que será explicado com mais profundidade ao longo deste estudo é o seguinte: a existência de processos ou inquéritos criminais - ou mesmo ações de improbidade administrativa! - não obriga que a Justiça Eleitoral indefira o registro de candidaturas. Apenas autoriza, melhor dizendo, serve como base para que esse registro não seja deferido, diante de indícios razoáveis de falta de idoneidade moral. Dito de outro modo: não é a mera existência de inquéritos ou processos que deve ser o fator preponderante para o indeferimento do registro, mas a demonstração objetiva de que falta ao candidato uma postura ética compatível com a atividade parlamentar. Esse é ponto-chave de todo o raciocínio que será desenvolvido. Antes, porém, vale analisar o fundamento normativo que justifica a tese ora defendida.

Ausência de Previsão Legal ou Constitucional

Outro argumento bastante convincente é a alegação de que não há qualquer previsão legal ou constitucional dando à Justiça Eleitoral o poder para indeferir candidaturas com base em processos ou inquéritos criminais sem o trânsito em julgado. Sustenta-se que a Lei Complementar 64/90 é bastante enfática ao dizer que são inelegíveis os “os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena” (art. 1º, inc. I, “e”).

Logo, de acordo com essa lógica, somente poderiam ser considerados como inelegíveis os candidatos que estivessem enquadrados exatamente nessa situação, o que não é o caso daqueles que ainda não foram condenados na esfera criminal.

Aliás, esse foi o argumento principal acolhido, pelo Tribunal Superior Eleitoral, por uma apertada maioria de 4 contra 3, para autorizar o pedido de candidatura do Presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda, que respondia a inúmeros processos criminais, inclusive com algumas condenações em primeira instância, embora nenhuma sentença transitada em julgado.

Na ementa do acórdão, ficou registrado que “na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não poderá o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los” (TSE, RO 1.069/RJ, rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 20/9/2006).

Esse argumento tem dois “furos”.

O primeiro é mais “polêmico”, pelo menos para uma visão tradicionalista do direito: por mais que não exista autorização legal, a Constituição Federal é norma jurídica, de modo que o julgador pode decidir com base unicamente no texto constitucional. Logo adiante, esse ponto será explicado com detalhes.

O segundo é mais convincente para os tradicionalistas: mesmo que a norma constitucional fosse meramente “programática”, não “auto-aplicável”, conforme prevê a súmula 13 do TSE (“não é auto-aplicável o § 9º, Art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4-94”), há uma autorização legal contida no artigo 23 da Lei Complementar 64/90, que daria suporte à tese de que a Justiça Eleitoral pode indeferir o registro de candidatura “pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Vamos ao primeiro ponto.

Hoje, é pacífico o entendimento de que a Constituição Federal é norma jurídica e, como tal, tem a força de estabelecer comandos obrigatórios para os diversos órgãos do poder público mesmo na ausência de leis. Esse entendimento ficou bastante nítido quando o Supremo Tribunal Federal, na ADC 12/2005, considerou como constitucional a resolução contra o nepotismo no Judiciário, elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No referido julgamento, ficou claro que não apenas a lei em sentido formal, mas também a Constituição pode emitir ordens normativas direcionadas à atividade pública, de modo que o CNJ, com base unicamente nos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, previstos no artigo 37 da CF/88, poderia editar ato normativo secundário (resolução) proibindo a contratação de parentes de magistrados para cargos no Poder Judiciário.

O mesmo raciocínio se aplica igualmente, e com muito mais razão, à Justiça Eleitoral, que também pode extrair diretamente da Constituição obrigações a serem observadas, de forma vinculante, pelos participantes do processo eleitoral. Isso ocorreu de modo particularmente visível quando o Tribunal Superior Eleitoral editou resolução obrigando a “verticalização partidária”, bem como, no ano passado, regulamentou, por resolução, a chamada “fidelidade partidária”, prevendo, inclusive, hipóteses de perda do mandato parlamentar. Em ambos os casos, a fonte normativa que embasou a edição das resoluções foi, sobretudo, a Constituição Federal, inclusive a abstrata cláusula constitucional do “Estado Democrático de Direito”. E, em ambos os casos, o Supremo Tribunal Federal validou o entendimento adotado pelo TSE (no caso da verticalização: STF, ADIn 2.626-DF e ADIn 2.628-DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, red. para o acórdão Ministra Ellen Gracie, 18.4.2002; no caso da fidelidade partidária: STF, MS 26603/DF, rel. Min. Celso de Mello, 3 e 4.10.2007).

Dito isso, já se pode concluir que a Justiça Eleitoral poderia, em tese, retirar diretamente da Constituição uma autorização para indeferir o registro de candidaturas, desde que existisse um comando normativo nessa direção. E há efetivamente. Aliás, o comando normativo é muito mais detalhado do que o genérico princípio da moralidade e da impessoalidade, invocado no caso do nepotismo, e do Estado Democrático de Direito, invocado no caso da fidelidade partidária.

A Constituição Federal de 1988 estabelece, com bastante nitidez, que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, §9º).

Para justificar a imediata aplicação dos princípios estabelecidos na referida norma constitucional, é preciso se alongar um pouco, até para tentar afastar a teoria da aplicabilidade das normas jurídicas elaborada por José Afonso da Silva.

De início, é preciso que se diga que a referida norma encontra-se no Título II da Constituição, que é intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Trata-se, portanto, de uma norma ligada aos direitos fundamentais, especialmente aos direitos políticos.

Todos os direitos fundamentais, por força do artigo 5º, §1º, da CF/88, possuem aplicação imediata. Logo, em hipótese alguma, uma norma definidora de direito fundamental pode deixar de ser concretizada pela ausência de lei, cabendo ao Judiciário tomar as medidas necessárias para que o direito não fique sem efetividade.

Dentro dessa idéia, adotando a conhecida classificação da aplicabilidade das normas constitucionais de José Afonso da Silva, os direitos fundamentais ou seriam normas constitucionais de eficácia plena e, portanto, capazes de produzir todos os efeitos essenciais nela previstos desde a sua entrada em vigor, ou seriam normas constitucionais de eficácia contida, isto é, estariam suficientemente regulamentadas pelo constituinte, mas seriam passíveis de restrições pelo parlamento. Em hipótese alguma, um direito fundamental poderia ser enquadrado como norma de eficácia limitada, já que essa espécie é justamente o oposto da idéia de aplicação imediata. Aliás, essa idéia foi defendida pelo próprio José Afonso da Silva, nas edições mais recentes do seu Curso de Direito Constitucional Positivo.

Não é minha pretensão construir uma nova teoria em torno da aplicabilidade das normas constitucionais, entre tantas outras existentes. Aqui, basta perceber que, atualmente, se reconhece que o Estado tem, em relação aos direitos fundamentais, o dever de respeitá-los (não violar o direito), protegê-los (não deixar que o direito seja violado) e promovê-los (possibilitar que todos usufruam o direito), independentemente de qualquer regulamentação infraconstitucional.

O dever de respeito, proteção e promoção, que é inerente a qualquer direito fundamental, impõe uma multiplicidade de tarefas ao poder público, de modo que a concretização plena dessas normas não se esgota em um mero agir ou não-agir do Estado. Logo, é possível que uma única norma seja, com relação a algum desses comandos, de eficácia plena, mas, em outros, seja de eficácia contida ou até mesmo limitada.

O artigo 14, §9, da CF/88, estabelece que “lei complementar estabelecerá outros casos...”. Seguindo a classificação tradicional de José Afonso da Silva, essa norma segue a mesma estrutura das normas de eficácia limitada, pois depende de uma regulamentação para adquirir plena efetividade. No entanto, essa conclusão se choca com o artigo 5º, §1º, da CF/88, que prevê a cláusula de aplicação imediata. Como então resolver esse conflito?

Alguns constitucionalistas sugerem, como forma de superar essa controvérsia, uma mitigação do sentido da cláusula de aplicação imediata. Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho chega ao ponto de afirmar que o art. 5º, §1º, da CF/88, seria destituído de qualquer significado prático, pois apenas poderiam ter aplicação imediata “as normas completas, suficientemente precisas na sua hipótese e no seu dispositivo, para que possam ter a plenitude da eficácia” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 296).

Essa solução, contudo, viola um princípio básico da hermenêutica segundo o qual não há palavras inúteis na Constituição. A cláusula da aplicação imediata tem sim uma importância prática extraordinária. Ela é a consagração expressa do princípio da máxima efetividade, que é inerente a todas as normas constitucionais, especialmente as definidoras de direitos. Ela é o reconhecimento formal por parte do constituinte de que os direitos fundamentais têm uma força jurídica especial e potencializada.

Portanto, quando se analisa uma norma como a contida no artigo 14, §9º, da CF/88, deve-se partir do princípio de que ela tem aplicação imediata, ainda que seu efeito principal dependa da atuação do legislador. Explicando melhor: a referida norma enuncia não um simples comando dirigido ao legislador, mas inúmeras ações e diretrizes a serem seguidas pelo Estado como um todo. Trata-se, em última análise, de uma cláusula geral de proteção da legitimidade ética das eleições. Essa cláusula terá aplicação imediata na medida em que impõe, desde logo, o dever de respeito, proteção e promoção da moralidade eleitoral, a ser observado por todos os agentes públicos, independentemente de qualquer regulamentação. O juiz eleitoral deve pautar suas decisões sempre com uma preocupação na moralidade. Esse dever não precisa, em regra, aguardar o legislador para gerar efeitos imediatos, ainda que o legislador tenha a obrigação de densificar, ou seja, regulamentar os pressupostos de validade da norma, para que ela alcance um grau máximo de efetividade. Enquanto o legislador não fizer isso, cabe ao Judiciário se pautar por essa diretriz imposta pela Constituição, agindo sempre pensando em dar a máxima efetividade à norma.

Com base nisso, pode-se dizer que a Justiça Eleitoral poderia perfeitamente invocar o artigo 14, §9º, da CF/88, para indeferir registro de candidaturas “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

E mesmo que se ache essa interpretação é “invencionice”, já que confere um poder muito grande para os juízes eleitorais sem o necessário suporte legislativo/democrático, pode-se lembrar que a Lei Complementar 64/1990, que regulamenta os casos de inelegibilidade, já prevê uma autorização semelhante. Trata-se, no caso, da autorização do artigo 23 redigida nos seguintes termos: “Art. 23. O Tribunal formará sua convicção [a respeito da inelegibilidade] pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Com base nisso, pode-se dizer que há duas situações completamente distintas de inelegibilidade previstas na LC 64/90: (a) a do artigo 1º, inc. I, “e”, que exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e (b) a do artigo 23, que não prevê um juízo criminal definitivo.

A primeira é vinculante e pode ser reconhecida por qualquer membro da Justiça Eleitoral, independentemente de requerimento. Já a segunda tem uma margem maior de discricionariedade, mas dependerá de requerimento para ser apreciada pela Justiça Eleitoral e será precedida de um processo mais longo, onde o contraditório e a ampla defesa ganharão uma dimensão bem mais abrangente do que na primeira situação.

No processo de impugnação de registro de candidatura, todos os documentos contidos nos inquéritos e processos criminais, ou mesmo nas ações de improbidade administrativa, até aqueles ainda não concluídos em definitivo, poderão ser “emprestados” para embasar a decisão da Justiça Eleitoral. A mera existência de processos e de inquéritos em andamento não justifica o indeferimento do registro. Será o conteúdo das provas e indícios apresentados nesses procedimentos criminais que justificará um eventual indeferimento da candidatura, cabendo à Justiça Eleitoral realizar a “livre apreciação” desse material, conforme determina o artigo 23 da LC 64/90. A decisão deverá ser consistente e bem fundamentada, devendo se pautar em dados objetivos que justifiquem o indeferimento do registro da candidatura.

Na análise desse requisito de idoneidade moral, a Justiça Eleitoral deverá sopesar todos os elementos que podem demonstrar a prática de atos antiéticos cometidos por esse candidato, ainda que não criminosos. Punições administrativas, condenações por parte dos tribunais de contas, ações de improbidade administrativa etc., tudo isso poderá ser levado em consideração. Logicamente, as acusações de práticas criminosas pesarão bem mais. E também poderão pesar em diferentes intensidades. Um mero inquérito em tramitação pesa menos do que uma denúncia recebida que pesa menos do que uma sentença condenatória, mesmo não transitada em julgado, que pesa menos do que uma sentença condenatória confirmada pela instância recursal, mas ainda passível de recurso extraordinário ou especial. Do mesmo modo, o teor das acusações deve ser levado em conta. Um crime de difamação praticado por um político não é tão grave quanto um crime de peculato que não é tão grave quanto um crime de homicídio e por aí vai... Finalmente, o tipo de prova também é um fator importante. Uma prisão em flagrante tem um peso considerável; uma escuta telefônica idem; uma confissão também; uma prisão cautelar declarada por um juiz criminal é um indício razoável de autoria e materialidade do delito... Enfim, são muitas variáveis a se pensar.

O magistrado eleitoral, ao realizar essa atividade ponderativa, que não é simples, deverá se pautar pelo princípio de que qualquer limitação de direito fundamental deve ser considerada como uma medida excepcional. Como a elegibilidade é um direito fundamental, somente diante de razões fortes que justifiquem o indeferimento do registro, o magistrado deverá adotar essa medida, impondo-se, nesse caso, um ônus argumentativo particularmente pesado, até para que se possa avaliar se o dever de coerência está sendo observado; afinal, ao se exigir que o magistrado manifeste expressamente quais os argumentos que o convenceram a tomar uma determinada decisão, pressupõe-se que, diante de um caso semelhante, em que os mesmos argumentos podem ser adotados, a solução não será diferente.

Dito isso, passa-se a uma questão bastante problemática: será que a Justiça Criminal não poderá ser utilizada apenas para fins de perseguição “político-eleitoral”, no intuito de justificar o indeferimento de registro de determinados candidatos que não possuam tanta influência nos corredores do Judiciário?

É o que se verá a seguir.

O Uso Político da Justiça Criminal/Eleitoral

Quanto mais poder for dado à Justiça Eleitoral, maior será a possibilidade de abuso. Afinal, como dizia Montesquieu, “todo homem que tem poder é tentado a abusar dele” (MONTESQUIEU, Barão de La Brède e de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 200).

Logo, não há dúvida de que permitir que a Justiça Eleitoral indefira o registro de candidaturas com base em um juízo condenatório ainda não-definitivo abrirá margem para perseguições judiciais em relação aos candidatos que não possuem um bom trânsito perante o meio forense eleitoral.

Esse é um dos argumentos mais fortes contra a tese que ora se sustenta. Afinal, é inegável que o Poder Judiciário pode violar os direitos fundamentais como qualquer outro poder. Se os juízes fossem santos ou seres imaculados, então não precisariam existir tantos direitos fundamentais e garantias processuais previstos justamente para limitar os poderes dos magistrados!

Não há dúvida de que a máquina judiciária eleitoral – promotores/advogados/juízes manipulados/corruptos/mal-intencionados – pode fazer tanto mal à democracia quanto o pior dos tiranos. A situação se agrava diante de eleições municipais, quando os juízes nas mais longínquas comarcas estão distantes dos holofotes e, portanto, menos suscetíveis a uma fiscalização pública mais intensa.

Diante disso, há fundado receio de que poderão surgir denúncias criminais com a única finalidade de obstaculizar candidaturas, embora, conforme visto, esse argumento em particular não é tão relevante, pois não é a mera existência de inquéritos ou processos criminais que deve motivar o indeferimento de candidaturas, mas sim a existência de elementos objetivos capazes de levar a um juízo preliminar de falta de idoneidade moral do candidato. De qualquer modo, não há dúvida de que o uso eleitoreiro da máquina judiciária é uma ameaça real.

E é aqui que surge o seguinte dilema: é melhor “pagar para ver” ou é melhor manter as coisas como estão?

Creio que vale a pena correr o risco. É preciso acreditar, ainda que “com o pé atrás”, na magistratura. Ou seja, é preciso acreditar, desconfiando; fiscalizando os juízes; controlando o funcionamento do sistema; questionando decisões pouco fundamentadas; criticando condutas duvidosas; representando desvios; denunciando fraudes. Enfim, a probidade ética que se exige de um processo eleitoral vale não somente para os candidatos, mas, sobretudo, para quem fiscaliza a lisura das eleições.]

Mudar é preciso, pois situação atual é inaceitável. O número de candidatos com forte demonstração de desonestidade que foram eleitos no pleito de 2006 foi muito grande. Houve o caso de um deputado federal que saiu direto da prisão para ser diplomado pela Justiça Eleitoral. Que grande paradoxo! Um sistema eleitoral no qual o fator mais importante para vencer uma eleição é a quantidade de dinheiro que o candidato está disposto a pagar para se eleger está errado em si mesmo. Isso é tudo menos democracia.

O processo de impugnação de registro, embora célere, atende aos requisitos de um processo justo. Nele, o pré-candidato poderá apresentar suas razões, indicar testemunhas, questionar todos os documentos que forem apresentados nos autos. E ainda caberá recurso para instância superior caso o seu registro não seja deferido. É preciso frisar: não se trata de indeferir o registro pela existência de meros inquéritos ou processos criminais em andamento, mas por existirem indícios suficientes e não justificados, devidamente apreciados pela Justiça Eleitoral, de que o candidato não apresenta os requisitos mínimos de idoneidade moral para ocupar um cargo político.

Os abusos, que certamente existirão, serão pontuais e passíveis de correção via recurso. Caberá aos tribunais, em especial ao Tribunal Superior Eleitoral, fixar os parâmetros de objetividade necessários para podar eventuais excessos, estabelecendo os indícios mínimos que poderão ser utilizados para embasar uma negativa de registro de candidaturas. Assim, por exemplo, poderá ficar definido que uma prisão em flagrante homologada pela Justiça é um indício objetivo, uma confissão em juízo idem, uma prisão cautelar não reformada do mesmo jeito e assim por diante... É algo a se construir, inclusive com a ajuda da "sociedade aberta" dos intérpretes da Constituição...

A capacidade do povo de censurar “nas urnas” os políticos desonestos

Finalmente, um argumento muito mais retórico do que pragmático é a alegação de que o povo será capaz de, ele próprio, dentro dos mecanismos democráticos, escolher os candidatos mais capacitados, inclusive sob o aspecto ético, para representá-lo no parlamento, não cabendo ao Poder Judiciário interferir nessa liberdade de escolha.

Quem defende esse argumento ataca seus adversários dizendo que aqueles que não acreditam no povo são antidemocráticos por não confiarem nas virtudes da soberania popular.

Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Particularmente, sou fã daquela frase de Lord Russel que dizia que “quando ouço falar que um povo não está suficientemente preparado para a democracia, pergunto se haverá algum homem suficientemente preparado para ser déspota”. Mesmo assim, acredito que o processo democrático não funciona adequadamente se não houver limites éticos a serem observados.

Dizer que a democracia é auto-suficiente lembra, embora o contexto seja diferente, aquela idéia de “mão invisível” desenvolvida por Adam Smith, pela qual o mercado é capaz de se auto-regular. A história já demonstrou claramente que a “mão invisível” do mercado é ela própria responsável por instabilidades e crises sociais, que exigirão, mais cedo ou mais tarde, a intervenção do Estado, seja para reprimir os conflitos que surgem, seja para minorar o problema da população oprimida, seja para evitar o abuso do poder econômico por grandes corporações.

A “mão invisível” é a mesma mão que afaga os poderosos e apedreja os desvalidos. Isso vale tanto para liberdade econômica sem limites éticos quanto para a liberdade política sem limites éticos.

Por isso, é necessária a intervenção judicial para permitir que as engrenagens democráticas reflitam fielmente a vontade do povo. O “deixar fazer, deixar passar” (“laissez-faire, laissez-passer”) no jogo eleitoral significa, no final das contas, fechar os olhos para o abuso do poder econômico, para o voto de cabresto, para o clientelismo, para a compra de votos etc.

Aliás, até mesmo os mais severos críticos do ativismo judicial, como Habermas, Ely, entre outros, acreditam que é papel do Judiciário promover o funcionamento adequado da democracia, assegurando a abertura dos canais de participação e de mudanças políticas.

E isso se mostra ainda mais necessário quando se percebe que diversos candidatos, sem compromissos éticos, manipulam o processo eleitoral com técnicas desonestas de captação de eleitores, através da compra de votos, caixa dois, lavagem de dinheiro, financiamento de campanha por grupos criminosos, corrupção e fraude à legislação eleitoral. Um candidato com histórico de criminalidade e desonestidade somente pensará, após ser eleito, em como pagar as dívidas de campanha, como retribuir àqueles que patrocinaram sua eleição, como angariar fundos e apoio político para vencer as próximas eleições; e mais: como aproveitar a influência do cargo para se livrar do processo criminal! Enfim, a busca pelo bem comum e pelo interesse público parece ser uma das últimas preocupações desse parlamentar. Não é preciso ser gênio, nem ter curso superior, para saber disso.

Por isso, antes de desmerecer as virtudes da sociedade democrática, a exigência de se observar padrões éticos, fixados e fiscalizados por um órgão imparcial, é essencial para que não existam desvios e manipulações ilícitas do jogo eleitoral. Daí porque a Justiça Eleitoral, com todos os seus problemas e limitações, ainda é a instituição mais legitimada, tanto sob o aspecto social quanto jurídico, para exercer esse papel de guardiã da moralidade do processo democrático, conforme autoriza a própria Constituição.

Com isso, já se pode concluir.

Conclusões

Diante de tudo que se falou, pode-se concluir que a solução que melhor espelha a “pretensão de correção” para utilizar a expressão cunhada por Robert Alexy ou a “idéia de Justiça” para ficar com um termo de John Rawls é a seguinte:

(a) é papel da Justiça Eleitoral exercer o controle da legitimidade ética do processo eleitoral, através do julgamento das ações de impugnação de registro de candidaturas, entre outras ações semelhantes;
(b) a Justiça Eleitoral, nesse processo, pode formar sua convicção livremente, através de um processo judicial em que sejam observados o contraditório, a ampla defesa e o direito de recurso para uma instância superior;
(c) dentro da fase probatória do processo de impugnação de registro de candidaturas, a Justiça Eleitoral poderá utilizar qualquer elemento que possa ser útil à formação de sua convicção, inclusive provas e indícios produzidos por outros órgãos, através da chamada "prova emprestada";
(d) a prova emprestada pode envolver até mesmo a utilização de documentos, depoimentos, decisões judiciais, autos de prisão, degravação de interceptações telefônicas, dados bancários e fiscais etc. de processos criminais e inquéritos policiais ainda não concluídos, bem como provas produzidas em ações de improbidade administrativa, processos que tramitam nos tribunais de contas etc., desde que tenham sido obtidos licitamente;
(e) a decisão judicial que resulte no indeferimento do registro da candidatura deverá ser consistentemente fundamentada (argumentação forte), e deve se basear em elementos objetivos capazes de levar a uma convicção concreta de que o candidato em questão não possui idoneidade ética suficiente para exercer um cargo político;
(f) a mera existência de inquéritos e processos criminais em andamento, ainda que com sentenças condenatórias, não é suficiente, por si só, para gerar um juízo negativo de idoneidade moral, pois o mais importante é o conteúdo das acusações (gravidade dos crimes supostamente cometidos) e a robustez das provas já produzidas, a serem valoradas motivadamente pelo juízo eleitoral;
(g) enquanto não houver condenação ou absolvição definitivas na esfera penal, a responsabilidade criminal, ainda em fase de apuração, não pode interferir na responsabilidade eleitoral, pois são instâncias distintas, com critérios distintos de formação do convencimento;
(h) indícios fortes de autoria e materialidade do delito supostamente praticado, como prisões em flagrante homologadas pela Justiça Criminal, decretação de prisão cautelar não reformada, escutas telefônicas incriminadoras, confissões, sentenças condenatórias de crimes graves, recebimento de denúncia através de decisão fundamentada e não reformada, entre outros elementos semelhantes, podem ser considerados como dados objetivos capazes de levar a um juízo de inidoneidade moral para fins de indeferimento de registro de candidatura, caso o pré-candidato não apresente justificativa plausível para modificar a convicção do juízo eleitoral.