EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA CRIMINAL: PERSPECTIVAS ATUAIS
* Juiz Federal Substituto da 2ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão
O presente estudo tem por escopo a análise da execução provisória no âmbito penal, após a prolação de sentença pelo juiz de primeira instância. Para tanto, será traçado um panorama a respeito das posições a respeito da questão, para, ao fim, expressarmos nossa visão quanto à problemática invocada.
Tema da maior relevância, em especial no que tange ao aspecto prático em primeira instância jurisdicional, é o referente à possibilidade de deflagrar-se a execução provisória de julgados criminais, onde observada a figura do réu preso, quando interposto recurso por parte da acusação.
Com efeito, a possibilidade de majoração da reprimenda cominada pelo juiz de base serviu, e ainda serve, para justificar a negativa de início do processo de execução penal, diga-se provisória. Contudo, posição, a nosso ver, mais consentânea com o postulado da Dignidade da Pessoa Humana vem recebendo encômios por parte dos operadores do Direito, de modo a se admitir a instauração da execução provisória do julgado, independentemente da interposição de qualquer recurso, seja da acusação ou da defesa, e sem levar em conta o(s) efeito(s) em que recebida a impugnação ao ato judicial.
A execução provisória da sentença penal é fruto da Doutrina e da Jurisprudência, fontes estas do Direito sensíveis à realidade do preso que, mesmo já sentenciado, viu diferido o trânsito em julgado de sua condenação, uma vez que interposto recurso.
Num primeiro momento, para garantir e sustentar a viabilidade da execução provisória, se estabeleceu raciocínio cuja característica é a pujante simplicidade, tendo por premissa básica a interposição de recurso unicamente por parte da defesa. O silogismo parte do pressuposto de que, se negado ao acusado o direito de recorrer em liberdade, e considerando o trânsito em julgado para a acusação e a impossibilidade da reformatio in pejus, nada impediria que o condenado fosse inserido no Sistema Penitenciário, assegurando-lhe, desde logo, a oportunidade de fruição de todos os benefícios da legislação de regência.
Um sem número de precedentes jurisprudenciais podem ser encontrados na linha de entendimento apresentada no parágrafo acima, dos quais cita-se os dois abaixo:
HABEAS CORPUS. PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. REGIME SEMI-ABERTO. PENDÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.1. Inexistindo o trânsito em julgado para o órgão acusador, já que se encontra pendente recurso que objetiva o aumento da pena e, por conseguinte, o agravamento do regime prisional, inexiste constrangimento ilegal, pois cuida-se, ainda, de prisão provisória, não havendo que se falar em execução antecipada da pena;2. Ordem denegada, com recomendação.[1]
CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. TENTATIVA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. PENDÊNCIA DE APELO MINISTERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 716/STF. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. RECURSO ACUSATÓRIO COM EFEITO SUSPENSIVO PENDENTE DE JULGAMENTO. PACIENTE QUE JÁ CUMPRIU QUASE A TOTALIDADE DA PENA QUE LHE FOI IMPOSTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. LIBERDADE PROVISÓRIA DETERMINADA.ORDEM NÃO CONHECIDA. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO.I. Hipótese na qual se sustenta que o paciente já teria direito à obtenção de benefícios da execução, tais como a progressão de regime prisional e o livramento condicional, em virtude do preenchimento dos requisitos legais, apesar da pendência de julgamento de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público.II. A ausência de trânsito em julgado da decisão condenatória para a acusação, encontrando-se pendente de julgamento recurso com efeito suspensivo, impede a concessão de benefícios da execução, tendo em vista a possibilidade de modificação da quantidade da pena imposta, bem como do regime prisional fixado para o cumprimento da reprimenda, o que afasta a incidência da Súmula n.° 716/STF.III. Evidenciada a demora no exame do apelo ministerial, não se mostra correta a manutenção do acusado em cárcere, pois este já teria cumprido quase a totalidade da pena que lhe foi imposta pelo Juízo monocrático.IV. Deve ser determinada a imediata soltura do paciente, se poroutro motivo não estiver preso, a fim de que aguarde em liberdade o julgamento do recurso de apelação interposto pelo Órgão ministerial, evitando, assim, o constrangimento ilegal iminente, consistente na exacerbação do prazo estipulado na sentença condenatória para a pena imposta ao réu.V. Ordem não conhecida e writ concedido de ofício, nos termos do voto do Relator[2].
Como se observa, o raciocínio já indicado é soberano nas decisões aqui trazidas, de onde se conclui, por via de conseqüência, que inviável seria a instauração da execução provisória da pena, sob o argumento de que possível sua exasperação, caso interposto recurso pela acusação nesse sentido.
De se ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 19, de 29 de agosto de 2006, cuja ementa adiantou dispor sobre a execução penal provisória e cujo artigo 1º, caput, possuía a seguinte redação:
A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da sentença ou acórdão, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal.
Por força da Resolução nº 57, de 24 de junho de 2008, citado dispositivo passou a ser lido da forma abaixo:
A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da sentença ou acórdão condenatório, ressalvada a hipótese de possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo por parte do Ministério Público, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal.
Sem considerar a duvidosa competência do CNJ para emitir a resolução em destaque, posto, a nosso ver, se tratar de matéria eminentemente jurisdicional, e a não tão perfeita técnica redacional, o intento da norma é bem claro, qual seja, admitir a execução provisória do julgado penal, salvo se interposto (e não possibilidade de interposição) recurso com efeito suspensivo pelo Ministério Público.
Analisando a gênese da Resolução nº 57/2008, encontra-se o Pedido de Providências nº 1326, instaurado a requerimento do Desembargador Federal Sérgio Feltrin Corrêa, à época Presidente da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
No procedimento em foco, consta o desate de celeuma envolvendo a unidade jurisdicional citada no parágrafo acima e o Juízo da Execução Criminal do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, este último, adotando orientação do Conselho da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, negou seguimento à guia de recolhimento provisório expedida por aquela, alegando que inexistente a comprovação de trânsito em julgado para a acusação. Desse modo, o juízo federal solicitou ao CNJ manifestação a respeito.
Do julgamento do procedimento administrativo, extrai-se a passagem abaixo, colhida da Declaração de Voto do Conselheiro Felipe Locke Cavalcanti, e que bem explicita o porquê da alteração do caput, do artigo 1º, da pré-falada resolução:
Com efeito, o ato normativo local será válido para as hipóteses de apelação do Ministério Público Público, em face de decisões condenatórias de primeiro grau, uma vez que tal recurso possui efeito suspensivo, hipótese na qual a guia provisória não poderá ser expedida.
Isto porque, nesta hipótese, o recurso interposto pelo Ministério Público – apelação - tem efeito suspensivo, tal qual se depreende da leitura dos artigos 593 e 597 do Código de Processo Penal.
Além disto, a Resolução nº 19 do CNJ em seu artigo primeiro textualmente afirma que “a guia de recolhimento provisória será expedida quando da prolação de sentenças ou acórdãos condenatórios, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo.
Portanto, a hipótese em exame aponta para a invalidade da resolução local unicamente quando o recurso do Ministério Público não possuir o efeito suspensivo, sendo, ao contrário, válida quando o recurso possuir tal efeito.
Deste modo, não há que se falar em incompatibilidade total da Resolução em exame, pois quando se tratar de decisão de primeiro grau, passível de apelação – recurso com efeito suspensivo – haverá necessidade da certidão do trânsito em julgado para o Ministério Público para a expedição da guia de recolhimento provisório.
Além deste argumento fundamental, que demonstra não existir o descompasso total entre a Resolução deste E. Conselho e a Resolução do Tribunal local, cumpre notar também que inexistindo trânsito em julgado para a acusação, quando a decisão for passível de recurso com efeito suspensivo, não será possível o deferimento do benefício da progressão de regime, ante a possibilidade da “reformatio in pejus”, não sendo, em conseqüência, permitida a expedição de carta de guia provisória nesta hipótese.
Isto porque, nesta hipótese, o recurso interposto pelo Ministério Público – apelação - tem efeito suspensivo, tal qual se depreende da leitura dos artigos 593 e 597 do Código de Processo Penal.
Além disto, a Resolução nº 19 do CNJ em seu artigo primeiro textualmente afirma que “a guia de recolhimento provisória será expedida quando da prolação de sentenças ou acórdãos condenatórios, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo.
Portanto, a hipótese em exame aponta para a invalidade da resolução local unicamente quando o recurso do Ministério Público não possuir o efeito suspensivo, sendo, ao contrário, válida quando o recurso possuir tal efeito.
Deste modo, não há que se falar em incompatibilidade total da Resolução em exame, pois quando se tratar de decisão de primeiro grau, passível de apelação – recurso com efeito suspensivo – haverá necessidade da certidão do trânsito em julgado para o Ministério Público para a expedição da guia de recolhimento provisório.
Além deste argumento fundamental, que demonstra não existir o descompasso total entre a Resolução deste E. Conselho e a Resolução do Tribunal local, cumpre notar também que inexistindo trânsito em julgado para a acusação, quando a decisão for passível de recurso com efeito suspensivo, não será possível o deferimento do benefício da progressão de regime, ante a possibilidade da “reformatio in pejus”, não sendo, em conseqüência, permitida a expedição de carta de guia provisória nesta hipótese.
Pois bem, malgrado as judiciosas razões invocadas para sustentar a impossibilidade de deflagração da execução provisória quando interposto recurso da acusação com efeito suspensivo, cremos ser de maior acerto posição mais recente, em franco confronto até com a resolução do CNJ, dando por admissível tal execução. Vamos, então, a ela.
Os operadores jurídicos defensores do entendimento acima invocado partiram, inicialmente, da análise da própria situação fática daquele que, condenado em primeira instância, não viu ainda o trânsito em julgado da sentença, restando no aguardo da decisão quanto ao recurso interposto, pela acusação, defesa ou por ambos.
Ora, distantes da discussão quanto à possibilidade de majoração da censura imposta, os seguidores dessa linha de julgar, de modo simples, passaram a descrever a real situação de desvantagem que os já julgados em primeira instância e presos sofrem, unicamente porque interposto recurso da acusação, muitas vezes apenas para reconhecimento de uma mínima circunstância agravante, que em muito pouco, caso reconhecida, poderá influenciar na execução, ainda mais considerando a não tão rara demora no julgamento de processos em segunda instância.
Dentro desse contexto, entenderam não ser razoável a manutenção do acusado em regime prisional mais rigoroso que o fechado, já que em cadeia pública, em compasso de espera da conclusão final de sua demanda, da qual, inclusive, poderá muito bem vir até a ser absolvido.
Referendando o posicionamento, trago o seguinte precedente:
Referendando o posicionamento, trago o seguinte precedente:
I. Prisão processual: direito à progressão do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade ou a livramento condicional (LEP, art. 112, caput e § 2º). A jurisprudência do STF já não reclama o trânsito em julgado da condenação nem para a concessão do indulto, nem para a progressão de regime de execução, nem para o livramento condicional (HC 76.524, DJ 29.08.83, Pertence). No caso, o paciente - submetido à prisão processual, que perdura por mais de 2/3 da pena fixada na condenação, dada a demora do julgamento de recursos de apelação - tem direito a progressão de regime de execução ou a concessão de livramento condicional, exigindo-se, contudo, o preenchimento de requisitos subjetivos para a deferimento dos benefícios.
II. Habeas corpus: deferimento, em parte, para que o Juízo das Execuções ou o Juízo de origem analise, como entender de direito, as condições para eventual progressão de regime ou concessão de livramento condicional.[3]
II. Habeas corpus: deferimento, em parte, para que o Juízo das Execuções ou o Juízo de origem analise, como entender de direito, as condições para eventual progressão de regime ou concessão de livramento condicional.[3]
Pela excelência da motivação, transcrevo excerto de voto proferido pelo Juiz Federal Saulo Casali, então convocado na 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, prolatado nos autos do HC nº 2006.01.00.046891-4/MT:
A partir da sentença condenatória existe um decreto a fixar as penas aplicadas ao acusado. Esse título condenatório é, desde então, um parâmetro a que chega o magistrado à base do livre convencimento e da motivação. A irresignação da acusação quanto à sanção penal estabelecida na sentença não significa, por si só, qualquer alteração do parâmetro até então existente. Da apelação do Ministério Público a única conclusão a que se pode chegar é a de que existe possibilidade, em tese, de majoração da reprimenda.
Pois bem. Encontramo-nos diante dessa possibilidade: a pena aplicada pelo juízo de primeira instância pode ser majorada pelo Tribunal. A partir dessa possibilidade – tecnicamente denominada questão processual, mas que, em outras palavras, pode ser traduzida em uma dúvida – estranhamente extrai-se uma conseqüência gravosa à ré, impedindo-a de gozar dos direitos atribuídos aos submetidos à execução penal. A dúvida aqui está claramente sendo interpretada em desfavor da ré, em clara ofensa à parêmia consagrada em nosso sistema jurídico: in dubio pro reo.
Se é possível que a pena seja majorada, é igualmente possível, em tese, a manutenção da reprimenda. Ocorre que se a reprimenda for mantida pelo Tribunal de segunda instância, não haverá mecanismos hábeis a recompor o cerceamento à liberdade a que fora submetido a ré, que não teve, durante todo o curso do processo, acesso aos benefícios da execução, postos no sentido de reduzir a intensidade dessa restrição de direitos. Não se pode admitir essa possibilidade de estrangulamento das mais essenciais garantias individuais em um Estado que se intitula Democrático de Direito.
A diversidade de tratamento jurídico conferido ao réu contra o qual pesa recurso de apelação da acusação e ao réu a quem é conferida a execução provisória não se justifica em face do ordenamento jurídico pátrio. O instituto da prisão, por estabelecer a mais grave sanção que se pode ser aplicada em nosso sistema penal, não pode ser objeto de interpretação desfavorável ao réu, sem que haja, nesse sentido, expressa previsão legal, sob pena de violação da base de sustentação da ordem jurídico-penal: o princípio da legalidade estrita.
Penso, alinhando-me ao recente precedente do Supremo Tribunal Federal (HC 87.801/SP), que, a partir da sentença condenatória, havendo ou não recurso da acusação, tem a ré o direito à expedição da guia de execução provisória, para que possa, desde então, exercer os direitos decorrentes da execução da reprimenda. Permanece intacta, vale destacar, a Súmula 716, do Supremo Tribunal Federal, ao consignar que “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória quer significar na pendência de recurso com efeito suspensivo, seja da defesa, seja da acusação.
Perguntar-se-ia, partindo desse entendimento, o que ocorreria se o recurso de apelação da acusação for provido pelo Tribunal? Majorada a pena é possível que um benefício atingido sob o manto da provisoriedade perca seus efeitos, como também é possível que a majoração não seja suficiente a infirmar o benefício auferido. Por óbvio, não se quer que a possibilidade de execução provisória da pena tenha como efeito a imutabilidade da mesma, até porque esbarraria na ausência de coisa julgada material. O que estou a sustentar é que a possibilidade de majoração da pena, e, conseqüentemente, do parâmetro utilizado para o deferimento de direitos decorrentes da execução, não pode ensejar a conclusão de que o réu deva permanecer preso como se condenado estivesse a cumprir pena em regime integralmente fechado, o que, aliás, foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte.
Pois bem. Encontramo-nos diante dessa possibilidade: a pena aplicada pelo juízo de primeira instância pode ser majorada pelo Tribunal. A partir dessa possibilidade – tecnicamente denominada questão processual, mas que, em outras palavras, pode ser traduzida em uma dúvida – estranhamente extrai-se uma conseqüência gravosa à ré, impedindo-a de gozar dos direitos atribuídos aos submetidos à execução penal. A dúvida aqui está claramente sendo interpretada em desfavor da ré, em clara ofensa à parêmia consagrada em nosso sistema jurídico: in dubio pro reo.
Se é possível que a pena seja majorada, é igualmente possível, em tese, a manutenção da reprimenda. Ocorre que se a reprimenda for mantida pelo Tribunal de segunda instância, não haverá mecanismos hábeis a recompor o cerceamento à liberdade a que fora submetido a ré, que não teve, durante todo o curso do processo, acesso aos benefícios da execução, postos no sentido de reduzir a intensidade dessa restrição de direitos. Não se pode admitir essa possibilidade de estrangulamento das mais essenciais garantias individuais em um Estado que se intitula Democrático de Direito.
A diversidade de tratamento jurídico conferido ao réu contra o qual pesa recurso de apelação da acusação e ao réu a quem é conferida a execução provisória não se justifica em face do ordenamento jurídico pátrio. O instituto da prisão, por estabelecer a mais grave sanção que se pode ser aplicada em nosso sistema penal, não pode ser objeto de interpretação desfavorável ao réu, sem que haja, nesse sentido, expressa previsão legal, sob pena de violação da base de sustentação da ordem jurídico-penal: o princípio da legalidade estrita.
Penso, alinhando-me ao recente precedente do Supremo Tribunal Federal (HC 87.801/SP), que, a partir da sentença condenatória, havendo ou não recurso da acusação, tem a ré o direito à expedição da guia de execução provisória, para que possa, desde então, exercer os direitos decorrentes da execução da reprimenda. Permanece intacta, vale destacar, a Súmula 716, do Supremo Tribunal Federal, ao consignar que “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória quer significar na pendência de recurso com efeito suspensivo, seja da defesa, seja da acusação.
Perguntar-se-ia, partindo desse entendimento, o que ocorreria se o recurso de apelação da acusação for provido pelo Tribunal? Majorada a pena é possível que um benefício atingido sob o manto da provisoriedade perca seus efeitos, como também é possível que a majoração não seja suficiente a infirmar o benefício auferido. Por óbvio, não se quer que a possibilidade de execução provisória da pena tenha como efeito a imutabilidade da mesma, até porque esbarraria na ausência de coisa julgada material. O que estou a sustentar é que a possibilidade de majoração da pena, e, conseqüentemente, do parâmetro utilizado para o deferimento de direitos decorrentes da execução, não pode ensejar a conclusão de que o réu deva permanecer preso como se condenado estivesse a cumprir pena em regime integralmente fechado, o que, aliás, foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte.
Além dos argumentos expendidos em favor desta segunda posição, não se pode olvidar que o próprio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 716, que preceitua que “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regimento menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”, a qual foi brevemente citada na transcrição acima.
Se bem lido, observa-se que o enunciado em destaque em momento algum faz referência ao efeito concedido à recepção de eventual recurso de apelação interposto à sentença condenatória. Desse modo, creio sem forte alicerce o raciocínio que emerge da primeira linha de entendimento apresentada neste estudo, ou seja, de que inviável a execução provisória, caso manejado recurso pela acusação. Interpretar-se a posição do STF dessa forma é dar-lhe um sentido não desejado, nem explícita nem implicitamente, pelos redatores da súmula, apenas sob a motivação de que em algum dia a pena aplicada poderá vir a ser majorada.
Para justificar a concordância com esta posição, pode-se invocar até mesmo cânones de natureza constitucional, como a igualdade e a dignidade da pessoa humana, bem assim dados colhidos do pragmatismo judiciário, de onde se infere que nem sempre as lides criminais envolvendo réus ergastulados possuem célere trâmite nos tribunais de apelação. Assim, a nosso ver, não se sustenta, sob qualquer fundamento, a negativa de instauração da execução provisória de julgado quando interposto recurso pela acusação, mesmo que recebido em seu efeito suspensivo.
De necessário o destaque quanto à existência de outro encaminhamento da questão, com o qual, porém, não concordamos. Explico.
Também no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em destaque na Primeira Turma, observam-se precedentes autorizadores da execução criminal provisória, quando manejado recurso pela acusação, desta feita tomando por base, para fins de concessão de benefícios, o máximo da pena abstrata cominada ao delito. Neste aspecto, cito como precedentes os HCs nºs 93.302/SP e 90.893-4/SP, este último de seguinte redação:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PROGRESSÃO DE REGIME NA PENDÊNCIA DE RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: CUMPRIMENTO DE UM SEXTO DA PENA MÁXIMA EM ABSTRATO ATRIBUÍDA AO CRIME: POSSIBILIDADE. SÚMULA 716 DESTE SUPREMO TRIBUNAL. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A jurisprudência prevalecente neste Supremo Tribunal sobre a execução provisória admite a progressão de regime prisional a partir da comprovação de cumprimento de pelo menos um sexto de pena máxima atribuída em abstrato ao crime, enquanto pendente de julgamento a apelação interposta pelo Ministério Público com a finalidade de agravar a pena do Paciente. Incidência, na espécie, da Súmula 716 deste Supremo Tribunal ("Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severa nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória"). Precedentes.
2. Habeas corpus parcialmente concedido[4].
1. A jurisprudência prevalecente neste Supremo Tribunal sobre a execução provisória admite a progressão de regime prisional a partir da comprovação de cumprimento de pelo menos um sexto de pena máxima atribuída em abstrato ao crime, enquanto pendente de julgamento a apelação interposta pelo Ministério Público com a finalidade de agravar a pena do Paciente. Incidência, na espécie, da Súmula 716 deste Supremo Tribunal ("Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severa nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória"). Precedentes.
2. Habeas corpus parcialmente concedido[4].
Resguardado o total respeito às decisões da Corte Suprema, ousamos desta discordar. É que somente em determinadas situações, a nova “matemática” seria realmente profícua para fins de resolução da questão. Basicamente quando a pena cominada pelo juiz de base estiver perto do máximo permitido ou quando manifesta e significativamente se apresenta o excesso de prazo do cárcere.
Somente nas situações acima indicadas, a nosso ver, seria possível imaginar que a tomada da pena máxima como parâmetro para fins de concessão de benefícios da execução seria a medida mais acertada. Contudo, imagine-se que a pena tenha sido cominada no mínimo legal ou mesmo com uma pequena exacerbação e que a apelação ministerial diga respeito unicamente à não consideração de uma única circunstância agravante. Neste caso, utilizar-se a pena máxima in abstrato, para servir de base de operações aritméticas visando alcançar o tempo exigido para a concessão de qualquer benefício, parece ser, no mínimo, um exagero, já que restaria praticamente impossível que do provimento do apelo a tanto se chegasse.
Poder-se-ia argumentar, então, que, dentro de uma realidade probabilística, a situação acima poderia vir a se configurar, sendo vedado se traçar meras perspectivas a seu respeito. Com a devida vênia, do mesmo modo que defesa seria a elaboração de uma prospecção quanto ao julgamento da corte revisora, menos autorizada é a utilização do mesmo raciocínio, considerando o máximo da pena cominada, em seu aspecto abstrato, o que, em grande parte das vezes, sequer é desejado pelo próprio recorrente. Por tais razões, não se concorda com a posição expressa no julgado acima.
Há que se indagar, neste ponto, sobre os critérios a serem utilizados para fins de deferimento da execução provisória, na situação aqui enfrentada, e as conseqüências de eventual majoração da penalidade pelo tribunal.
Dentro de uma situação de temporária condenação, já que sujeita a sentença a recurso ministerial, não se admite como obrigar o réu a se submeter a apenamento superior ao até aquele momento determinado, é dizer, torna-se seguramente desarazoado estipular prazo outro de censura corporal, para qualquer fim, no que se inclui a tomada de parâmetros objetivos para contagem de benefícios da execução criminal.
Injusto, mesmo em acepção leiga, seria determinar àquele que poderá ter a pena mantida, reduzida ou mesmo majorada que se submeta a cumprimento além do já decidido pelo Poder Judiciário. Pensar o contrário seria autorizar que o preso provisório – em “regime” muitas vezes mais severo que o fechado – ali fique indefinidamente, sem esperança nem perspectiva de iniciar regularmente a reprimenda que lhe foi cominada e, importante que se diga, sem que a tal demora tenha dado causa, já que o recurso foi interposto pelo Ministério Público. Conseqüentemente, entende-se que o tempo de pena privativa de liberdade fixado na sentença do juiz a quo deve servir para todos os efeitos.
Surge, a partir deste momento, uma nova problemática. E se a pena for majorada pelo respectivo tribunal? Ora, o instituto da Execução Provisória se caracteriza justamente pela precariedade de sua tramitação, a qual poderá ser convalidada, caso mantida in totum a sentença, ou readequada aos novos termos, em caso de modificação, mais gravosa ou não. Assim é no Processo Civil e também deve ser no Processo Penal. O acusado, ao lhe ser deferida a execução provisória da penalidade aplicada, tem ciência de que sua situação poderá muito bem ser significativamente alterada, seja, sob seu ponto de vista, para melhor ou para pior.
Atualmente, convive-se, em praticamente todo o Brasil, com varas privativas de execução criminal, com profissionais especializados, no âmbito da Justiça Estadual, conforme estipulado na Súmula nº 192, do Superior Tribunal de Justiça. Ante tal realidade, não se vê óbice algum a que se façam as devidas conformações da condenação já baixada à situação específica do condenado. Por certo que aquele que já se encontra em livramento condicional poderá muito bem ser recolocado no regime fechado e desde sempre deverá ter ciência de tal possibilidade. Trata-se, se assim pode ser considerado, do fair play da execução provisória.
No que diz respeito à ocorrência da remota hipótese de haver sido cumprido integralmente o tempo fixado na sentença sem a devida baixa dos autos da instância superior, seria vedado ao juiz extinguir a pena pelo cumprimento, já que ainda em discussão a causa, devendo fazê-lo no momento próprio ou promovendo a readequação, com a reinstauração da execução criminal, por óbvio, levando em conta todo o período já efetivamente cumprido.
Em conclusão, não se justifica a negativa de instauração de execução provisória da pena criminal, sob o único argumento de que, interposto recurso pela acusação, poderá a condenação vir a ser agravada. Ao revés, com a aquiescência do réu[5], deverá ser imediatamente iniciado o cumprimento da sentença prolatada, com a devida expedição de guia de recolhimento provisório, tendo por prazo final o até o momento estipulado. Observando-se a majoração da reprimenda, deverá o juiz readequar a execução, inclusive reinstaurando-a, no que se admite, até mesmo a recolocação do condenado em regime prisional
[1] STJ: HC 43116/MG, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU 06/02/2006, p. 353.
[2] STJ: HC46051/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 12/12/2005, p. 407.
[3] STF: HC 87.801/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 26/05/2006, p. 20.
[4] Rel. Min. Cármen Lúcia, DJU 17/08/2007, p. 58
[5] A manifestação do acusado, a nosso sentir, deve ser expressa, salvo quando já submetido a outra execução criminal. É que, para condenados domiciliados em locais distantes do em que situados os presídios, na maioria das vezes, torna-se mais salutar mantê-lo próximo a seus familiares e contexto geral de vivência.
[2] STJ: HC46051/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 12/12/2005, p. 407.
[3] STF: HC 87.801/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 26/05/2006, p. 20.
[4] Rel. Min. Cármen Lúcia, DJU 17/08/2007, p. 58
[5] A manifestação do acusado, a nosso sentir, deve ser expressa, salvo quando já submetido a outra execução criminal. É que, para condenados domiciliados em locais distantes do em que situados os presídios, na maioria das vezes, torna-se mais salutar mantê-lo próximo a seus familiares e contexto geral de vivência.
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